quinta-feira, 12 de junho de 2014

Adeus Vôzinho...

Há quem não suporte mensagens póstumas, e eu sou uma dessas, mas o que se há de fazer quando escrever é a única forma de externalizar todo sofrimento entalado no peito e banhado com o salgado das lágrimas?
Somos uma família enorme, com direito a papais, mamães, titias, titios, irmãos, irmãs, primos, primas, vovó, vovô, bisavó e bisavô, e acima de tudo unida. Não, não uma união forçada por reuniões chatas e “obrigatórias” que algumas famílias costumam realizar. Uma união que transcende o próprio significado mesmo quando há divergências de opiniões e interesses, pois estamos falando “dos meus”. É visceral! Cultivada com muito carinho ao longo de nossa própria constituição como pessoas, e natural como respirar. Somos alegres e garridos, preocupados e calorosos, passionais e perseverantes... E nunca antes, eu, enquanto membro desta família, havia sofrido nada parecido, nenhuma perda de tamanha proporção.
Nessa quarta-feira calamos, e unidos na dor nos despedimos do meu vozinho Ademar, o patriarca amado, corado e resmungão; nos despedimos dos beliscões nas coxas, das confusões de chamamento: “Tainara, não, Taise, não, Taiane, não... Carmen Lúcia Piquena!”, do célebre e respeitoso “Bença vô!” e sua leve levantadinha na aba do boné em resposta: “Deus te abençoe!”, de suas adivinhas, das jogatinas de dominó  e cafezinho da tarde em sua presença, do seu riso franco... Enfim.

Nesse momento, a efemeridade de algumas preocupações cotidianas revela-se tão proeminente, que me sinto até culpada por tê-las. Nesse momento, ainda que unidos em espírito, a dor é absolutamente solitária, peculiar, e devastadora. Cada um a seu modo sentiu a partida. E finalmente hoje,quinta-feira, dia marcado pelo início da copa do mundo no Brasil, boa parte do país estava em festa, e foi nesse clima, um misto do negro ao verde e amarelo das ruas, que rumamos pesarosos e silenciosos ao sepulcro do meu vozinho. Muita, MUITA gente nos acompanhou nesse que, sem sombra de dúvidas, foi o trajeto mais difícil de nossas casas até a pracinha, e por fim dissemos “Adeus” ao meu vozinho, que a exemplo dos carnavais, nos deixou em uma quarta feira cinza.

segunda-feira, 5 de maio de 2014

A Ignorância, a violência e a "justiça" sem lei

Medo. É dessa forma que posso definir o estado de espírito de muitos Brasileiros atualmente. Todos os dias ao ligarmos a televisão ou abrirmos os jornais podemos acompanhar rastros de sangue, ódio e ignorância. Nunca, desde que me entendo por gente, foi tão comum o linchamento em praça pública, o “justiçamento por conta própria”, sem que sequer sejam avaliados fatos, provas, ou quaisquer que sejam os dados relevantes durante essas “inquisições” populares. Não. Bastam acusações, ignorância, ódio, violência e determinação para que qualquer um, repito: QUALQUER UM possa vir a ser vítima desta barbárie.
O caso mais recente, o linchamento de Fabiane Maria, acusada injustamente em uma página do facebook de sequestrar e utilizar crianças em rituais satânicos, a levou a morte. O fato é chocante não só pela sua boçalidade intrínseca, choca também pelo que pode-se inferir ser uma execrável tendência do brasileiro à fofoca, à disseminação irracional e infundada de factoides escusando a verificação e confiabilidade das fontes, bem como à intolerância e ódio igualmente infundados.
 Mediante a todas as recentes notícias de violência, me vem à mente, quase que instantaneamente, a história do livro de Eric Arthur Blair mais conhecido pelo pseudônimo de George Orwell, “1984”. Nele o autor descreve uma sociedade controlada pelo medo, onde mesmo a realidade é manipulável, não a realidade propriamente dita, mas como percebida pelos indivíduos, que por sua vez (em sua maioria) “engolem” o que lhes é passado através da “tele-tela” sem se importar com a coerência, cronologia ou veracidade, pois a tele-tela difunde uma “realidade” ditada pelo “Grande Irmão”, e os indivíduos por sua vez  concebem “o real” por meio dela. 
Salvas as devidas proporções, não há como não fazermos relações entre os ocorridos recentes e a obra escrita no ano de 1948, principalmente no que tange ao medo, a manipulação e até mesmo criação de “notícias” que por sua vez são largamente aceitas pelas massas que passam a tê-las como “verdade”. Esses excessos de indignação, dignos da idade média, que infelizmente vemos estampar nossos jornais atualmente, me remetem ao que no livro é chamado de “minutos de ódio”, onde toda a raiva, indignação, violência, etc, são canalizados a um único personagem, o “Goldstein. Basicamente é isto que acontece, toma-se conhecimento do ocorrido através de uma única luz, sem que as origens e/ou causas motivadoras sejam levadas em consideração. Hoje, ouso dizer, que os bandidos no Brasil estão na posição do “Goldstein”, ninguém se importa com sua história ou quais mazelas sociais o levaram a ser um marginal, nem se são gente. Se não estão de acordo com a lei, estão sujeitos ao “minuto de fúria popular”. 
No livro, assim como “Goldstein”, co-fundador do partido do “Grande Irmão” foi largamente rejeitado sem que os indivíduos tomassem conhecimento dos reais motivos, as pessoas hoje cada vez mais alimentam um ódio irracional e “contagioso” sem olhar em volta, sem perceber o ambiente em que vivem, direcionando sua revolta aos “bodes expiatórios” frutos das diversas desigualdades sociais enquanto engolem informações mastigadas para não darem-se o trabalho de pensar, avaliar e ponderar.
Pois bem, colhe-se hoje no país, os prejuízos oriundos de negligências históricas, e que vieram explodir com toda força nos noticiários, e nas nossas caras indiferentes (até então). Para frente? Espera-se ao menos que se pense não somente em paliativos, mas principalmente efetivamente e em longo prazo ao serem tomadas providências, caso contrário poderemos estar seguindo uma perigosa trilha, até então descrita somente na história e na ficção.