segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Um diálogo com o espelho...

 Simplesmente não há por onde começar...

Você dedica toda uma vida para viver em harmonia com a pessoa que você escolheu para ficar do seu lado, e de repente não compreende mais onde você foi parar. Se percebe sem identidade, e sem nenhum daqueles ímpetos, até meio inconsequentes que definiam parte de sua personalidade. E como muito já foi investido nessa relação, dias, meses, anos, décadas, você vai deixando passar, quem sabe seja mais uma fase, quem sabe a outra pessoa perceba que talvez o sentimento de tédio e de estar convivendo com um estranho seja recíproco e tente conversar para ajeitar as coisas. Então passivamente e conscientemente você vira espectador da própria vida, assistindo-a passar diante dos seus olhos esperando, e esperando que algo ou alguém decida melhorar as coisas pra você. NÃO FUNCIONA!
Uma bela manhã você acorda e se depara com seu reflexo no espelho se perguntando: “Quem é este refletido?”, e a resposta não lhe vem. Não há como resgatar a essência há muito esquecida, anulada, confiada a outrem que talvez pensasse exatamente como você, e confiasse a você a responsabilidade de sua felicidade ou infelicidade, e constata, por fim, haver dois estranhos convivendo sob o mesmo teto (e você é um deles), com aspirações até muito parecidas,  mas desprovidos de todo aquele vigor pelos quais se apaixonaram e o qual os levou a estarem juntos. Nessa bela manhã você decide avaliar mais profundamente onde e por que está “existindo” e não vivendo, e decide não esperar mais iniciativas de terceiros para que reativamente você tome as suas próprias. E ISSO DÓIIII! SANGRA... FERE... CONSOME...
Você passa a identificar toda a indiferença existente entre vocês, toda a cordialidade construída sob os alicerces do hábito, a banalidade incomodativa disfarçada de intimidade, os contatos vazios e condizentes com o “protocolo” imaginário da relação: Abraço “protocolo”, Beijo “Protocolo”, Desnudamento “Protocolo”, Sexo “Protocolo”...   E ESSE VAZIO RASGA... QUEIMA... INUNDA...
Então você parte para uma abordagem de reconstrução, busca compreender onde erraram, onde perderam o laço que os ligava, onde deixaram as convenções suprimir o sentimento que compartilhavam, onde esqueceram a admiração que sentiam um pelo outro... E dá-se conta que não sabe... Não sabe como, Por quê, ou Quando... Você não é mais o que costumava ser, nem sequer o que acreditava ser é.
Apegado a uma esperança sobre-humana determina que o melhor seria então conversar com a pessoa que durante todo esse tempo esteve compartilhando o tempo em si com você, e qual é a surpresa? Ela está tão aprofundada em seu labirinto particular, em suas emoções individuais, e seus almejos desconectados do outro, que pouco entende aonde você quer chegar, “por que todo esse alvoroço em torno do que sempre foi assim?”... Louco de raiva, contaminado por uma exasperação que você não saberia relatar qual fora a ultima vez que se sentira assim, inesperadamente se percebe VIVO... Capaz de sentir... A raiva desencadeia uma enxurrada de pensamentos em torno de suas emoções, e as distinções tornam-se relativamente mais fáceis e assim, toda aquela indiferença, todo aquele calor aconchegante da sua zona de conforto, dão lugar a uma chocante e arrebatadora percepção: VOCÊ É INFELIZ!
Quanto avanço! Da insensibilidade à torrente de informações e possibilidades sentimentais!
Eis que então a sua mente lhe prega uma peça! Justamente quando você decide se reencontrar, sua mente insiste em lhe dizer que aquela pessoa ali, aquele estranho deitado do seu lado, tem em algum lugar, em algum canto obscuro, em algum remoto recôncavo, em algum poro, aquela essência, aquele vigor, aquela beleza mágica que em tempos pretéritos ocupava todos os lugares quando estava juntos, e lhe tirava o ar. Aquele estranho deve guardar todo aquele carinho que direcionava a você em um esconderijo, a salvo, por algum motivo. Aquele estranho diz que tem “sentimentos” por você. Esse estranho deve saber o sentido de “sentimentos”... Será que partilha dos seus “sentimentos”?...
Abre-se então a porta para a incerteza, tal como se supõem que deveria ser quando falamos de pessoas e não de máquinas. E essa incerteza DILACERA... REBENTA... AFOGA... Então você espera... espera... espera... espera... e espera algum sinal, algum mínimo lampejo de amor, alguma centelha de afeto, alguma nesga de importância. Questiona-se se não estaria sendo precipitado, se não deveria tentar ajeitar as coisas pela enésima vez?!


Vocês conversam...
Sem muitos “mas” nem “por que” determinam que se “amam”! Que a convivência é difícil, que o dinheiro é curto, e que as responsabilidades são demasiadamente onerosas... Riem. Lembram-se de coisas que faziam no passado, das loucuras imprudentes, do sexo... ahhh o sexo...   Têm uma tórrida noite de amor!
Na manhã seguinte é diferente. O beijo não é protocolo, o abraço é dado com emoção, o sorriso vem carregado de verdade, uma verdade tão poderosa que transcende o sentido do sorriso, pois esse exibir de dentes carrega consigo todas as possibilidades do novo, a condensação de todo sentimento ali implícito, imprime nos lábios a felicidade, e nos olhos o amor.
Com o tempo, tudo vai voltando ao normal. A convivência é difícil, e as contas? Xiiii as contas! Essas não param de chegar. Tem-se pouco tempo pra tudo, e fazem muitas coisas para nada. E então ressurgem as conversas rápidas e educadas. O cansaço do dia inteiro de trabalho, estudo, trânsito, qualquer coisa, não deixa muita disposição no fim do dia. Então ressurgem os beijos protocolo. Aos poucos vão somando-se desculpas, responsabilidades, tudo e nada...  E em uma bela noite você olha para o lado, enquanto aquela pessoa se despe como se você não estivesse ali e em um breve momento de lucidez você se pergunta: Quem é esse estranho? Quem sou eu?